25 de abril, porquê?
Milheiras
Para quem se esqueceu porque se fez o 25 de Abril, deixo este discurso, no mínimo memorável, do Prof. Prates Miguel.
"Desde 1926 e durante 48 anos, Portugal foi governado com mão de ferro pelo ditador Oliveira Salazar e seu delfim Marcello Caetano, num regime autocrático e corporativista, cuja ferocidade era branqueada pela expressão “ ESTADO NOVO”.
A bota da oligarquia de inspiração fascista esmagava um país marcado pela clamorosa assimetria social e económica, onde pequenos deuses caseiros e seus caciques, sugavam o suor de um povo de brandos costumes que sofria as passas de todos os algarves.
Nos campos e nas fábricas, assalariados rurais e operários, eram vítimas indefesas da gula e da rapina de latifundiários e patrões.
Na guerra colonial desencadeada em 1961 pelos Movimentos de Libertação indígenas nas então designadas Províncias Ultramarinas, a nossa tropa era dizimada na flor da vida ou de lá voltava estropiada e traumatizada.
Enquanto isso, o casmurro tirano recusava uma solução política para o conflito, fazia ouvidos de mercador aos apelos da comunidade internacional e declarava-se “orgulhosamente só” numa pátria virtualmente soberana desde o Minho até Timor.
Devido à hemorragia da emigração “a salto” para França e Alemanha, a nação agonizava na cauda da Europa sem oportunidades nem horizontes.
A Censura castrava a informação na imprensa, na rádio e na televisão, como apreendia livros incómodos nas livrarias, passava a pente fino exibições de filmes nas salas de cinema e filtrava papéis de actores no palco de teatros.
A polícia política (PIDE/DGS) perseguia, detinha, espancava, torturava, encarcerava e matava sem dó nem piedade qualquer cidadão suspeito de oposição à política arrogante dos vampiros aquartelados no Poder.
Por seu turno, a Guarda Nacional Republicana (GNR) reprimia e desmobilizava com cavalos, bastões e balas qualquer foco de agitação laboral, quer os alvos fossem uma ceifeira em Baleizão ou um vidraceiro na Marinha Grande.
As Universidades eram inatingíveis à generalidade dos filhos de camponeses e artífices e nelas era debitado da cátedra um ensino escolástico, nada pragmático nem virado para o mercado de trabalho dos futuros licenciados, pelo que na segunda metade da década de 60 alojou-se nas academias universitárias o “vírus” da reforma e da democratização do acesso às escolas superiores.
Simultaneamente, organizava-se a resistência na clandestinidade e no exílio e à medida que a revolta alastrava, a repressão crescia em espiral, até que o descontentamento instalou-se no seio das Forças Armadas pela mão dos jovens capitães milicianos.
Depois de uma tentativa gorada em 16 de Março, a partir do Regimento de Infantaria das Caldas da Rainha, o Movimento das Forças Armadas, finalmente, na madrugada de 25 de Abril, surpreendeu em barrete e ceroulas os administradores dos pontos nevrálgicos do Poder. A Revolução dos Cravos triunfava sobre a reacção dos tiranetes.
A Liberdade enxurrava nas ruas de Lisboa, fazia eco nas montanhas, varria as planícies e viajava nas asas das gaivotas até às grades das celas de Caxias e Peniche, apinhadas de resistentes condenados por delito de opinião em Tribunais Plenários orquestrados.
Desde então, governados ora assim, ora assado, os portugueses alcançaram um estatuto de cidadania compatível com o Estado de Direito instituído e os níveis de qualidade de vida subiram para patamares , digamos, confortáveis…
Porém, 40 anos volvidos, se aqui estamos em plena liberdade de associação, reunião e expressão ( uma das conquistas de Abril), penosas são outras evidências: O estado social, está moribundo; A Saúde, a Educação, a Justiça, estão pelos olhos da cara e ficando centralizadas a léguas e léguas dos potenciais utentes… A actividade económica está… desactivada; A construção de uma sociedade inclusiva, participada, aberta, plural, intergeracional e qualificada… implodiu! A carga fiscal, não há asno que a carregue nem albarda que a aguente; As insolvências e as penhoras, são uma praga… A corrupção ilibada e o tráfico de influências, galopam à rédea solta…A velhice de reformados e pensionistas está um pesadelo… Jovens técnicos demandam ocupação noutras paragens… O flagelo do desemprego fustiga as famílias e fomenta a criminalidade. E quem pode, quer e manda, sabe que o povo resmunga mas cala-se com uma côdea de pão e um bilhete para o circo.
[...]
Termino, neste 40º aniversário da revolução que devolveu a Portugal uma democracia cheia de sangue na guelra e cristalina de ideais, mas nesta data lazarenta de quistos e abcessos, em jeito de aviso à navegação, citando o operacional capitão de Abril Salgueiro Maia que mediou a rendição de Marcello Caetano ao MFA no Quartel do Carmo. Disse o lúcido capitão, herói de Abril, que sempre dispensou honrarias, na véspera da sua morte prematura “ Não se preocupem com o local onde vão sepultar o meu corpo. Preocupem-se é com aqueles que querem sepultar o que ajudei a construir”.
Viva, pois, o 25 de Abril!"
Intervenção de Prates Miguel na Sessão da AM realizada em 25 de Abril de 2014