Tal como estava combinado lá fui ter com médico, na segunda 8 maio.
Levava comigo o saco da "maternidade", camisas de dormir, robe, chinelos e muitos pares de cuecas, pensos ultra absorventes de noite, e artigos de higiene pessoal. O saco e o ovo, a primeira roupinha do bebé ficou em casa desta vez estava destinado que viesse de braços vazios. Tremia que nem varas verdes, quando cheguei ao hospital. Os olhares de pena quando dizia que tinha um aborto retido.
Depois o chegar ao piso da maternidade/pediatria, encontrar grávidas com barrigões e sorrisinhos nervosos, ouvir o choro dos bebés ainda tão pequeninos...
E eu saber que a morte habitou o meu ventre, e o pavor de ter de passar por tudo outra vez, era sufocante, apesar de tentar manter um sorriso na cara, houve um momento em que correram duas lágrimas furtivas.
O ter de deixar o meu marido, na sala de espera e entrar sozinha atrás do médico, fui a mais profunda sensação de solidão, desta vez até os corredores me pareceram mais sombrios.
O ser observada e ver debaixo de mim um balde à espera... O terror, o desespero inundava-me e eu gelava e permanecia no mais profundo dos silêncios, nem as lágrimas queriam assistir...
E o médico respondeu: "Está tudo limpo!"
E a dor cravou-se no meu peito, perdi o meu filho e lembrei das palavras do José Luís Peixoto: "Um filho só de sangue..." que eu deixei escorrer...
E o vazio apoderou-se de mim... Porque não quiseste ser meu filho????
"Esse filho só de sangue que te escorre pelas pernas. Sou eu. Podíamos ter-lhe ensinado as palavras, mas o seu nome é agora de sangue. Podíamos ter fechado a sua mão pequena dentro da nossa, mas a sua mão é agora de sangue. Esse filho só de sangue que te escorre pelas pernas e morre sou eu, o meu sangue e a minha memória."
"Fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga."
"Vamos separar-nos, nada nunca mais me trará
os teus olhos ou os teus dedos ou tantas coisas
que eram palavras, nada, nunca mais, manhã após
manhã, te mostrará o meu rosto a acordar. nem as
estrelas, nem a cama antes de adormecer. nada.
Vamos separar-nos, e nada nunca mais nos poderá
unir, nem mesmo o tempo. nem mesmo a morte."
"não. ninguém irá saber o que aconteceu.
Estou muito cansado.
Apetece-me dormir até morrer."
José Luís Peixoto
in: A criança em ruínas